por Edemar Morsch Filho e João Batista Campos Silva
Nos mais variados cursos de engenharia, quem precisou estudar transferência de calor em algum momento se deparou com os famosos três modos: condução, convecção e radiação. No estudo da condução de calor, a Lei de Fourier é extensivamente utilizada e aparece logo nas primeiras aulas:
onde q” é o fluxo de calor por condução, k é o coeficiente de condutividade térmica, dT/dx é o gradiente da temperatura na direção x. Esta expressão é válida para uma transferência de calor unidimensional em uma parede plana, na direção x.
Algumas vezes podemos ter uma visão romântica de que as grandes mentes responsáveis por expandir as fronteiras do conhecimento tenham dedicado uma vida inteira para uma única e grande descoberta. Idealizar que tenha sido um caminho linearmente traçado, sem desvios, até a “grande revelação”, resultando no mútuo e genuíno reconhecimento dos colegas, também costuma acompanhar esse pensamento. Com Fourier não foi assim.
Figura 1: Retrato de Jean Baptiste Joseph Fourier.
Jean-Baptiste Joseph Fourier nasceu em Auxerre (França) no dia 21 de março de 1768, era filho de um alfaiate e acabou tornando-se órfão por volta dos 10 anos de idade. Por sugestão do bispo local, foi estudar em uma escola local, onde demonstrou habilidades que o levaram para a École Militaire de Auxerre. As suas principais contribuições na área de transferência de calor foram, inicialmente, expostas em 1807, porém publicadas somente em 1822, resultando no trabalho conhecido por Théorie analytique de la chaleur (Teoria analítica do calor). Além da equação diferencial da transferência de calor por condução em corpos bidimensionais, desta pesquisa resultaram diversas outras contribuições à matemática como a Integral de Fourier, Série de Fourier, Transformada de Fourier, e até mesmo a presença do efeito estufa na atmosfera.
Figura 2: Théorie Analytique de la Chaleur de Fourier.
Curiosamente, anteriormente a este profundo trabalho, Fourier dedicou anos da sua vida à egiptologia (relacionado ao estudo da cultura egípcia), ocupando inclusive postos de trabalho criados por Napoleão Bonaparte, em sua invasão ao Egito. Esta posição no Egito por Fourier a partir de 1798 decorre do seu notório interesse e defesa por temas políticos como ideais naturais de igualdade, inspirados pelos movimentos da revolução francesa. Inclusive, os conflitos violentos da época fizeram com que muitos intelectuais sucumbissem sob o poder da guilhotina, sendo o próprio Fourier aprisionado e quase uma dessas vítimas se não fosse a morte de Robespierre e o declínio da revolução.
Pouco antes de sua ida ao Egito, em 1794 Fourier entrou para a École Normale de Paris, local onde lecionavam figuras como Joseph-Louis de Lagrange, Pierre Simon Laplace e Gaspard Monge. Em 1801, Fourier voltou para a França para lecionar na École Polytechnique, onde já havia trabalhado em 1795, mas logo passou a ocupar cargos da administração pública. De 1802 a 1814 foi nomeado administrador da região de Isère. Com a queda de Napoleão em 1815, Fourier assumiu o cargo de diretor do Bureau de estatística do Sena, ocasião em que conseguiu se dedicar mais tranquilamente às suas atividades de pesquisa.
Em 1807, ao expor ideias contidas na sua Teoria analítica do calor, grandes nomes como Joseph-Louis Lagrange, Pierre-Simon Laplace e Jean-Baptiste Biot não aceitaram de imediato suas ideias. Mais à frente, em 1811, o Paris Institute lançou uma competição sobre propagação de calor em sólidos onde Fourier submeteu uma versão atualizada do seu trabalho e acabou vencendo, ainda que apenas dois candidatos tenham participado. Mesmo assim, o comitê de avaliação composto por figuras como Lagrange e Laplace deixou registrado que “A maneira como o autor chega a essas equações não está isenta de dificuldades e… sua análise para integrá-las ainda deixa a desejar no quesito generalidade e até rigor”. Registros sugerem que parte dessas críticas eram fomentadas por questões técnicas, mas também por divergências pessoais entre alguns dos envolvidos, que eram concorrentes na mesma área de atuação. A interpretação dada por Fourier para o fenômeno de transferência de calor por condução e que era um ponto de divergência na época incluía a propagação de ondas pelo material, e que isto poderia ser modelado matematicamente por funções periódicas (senos e cossenos).
O conjunto de controvérsias sobre o trabalho de Fourier, aliado à presença de algumas falhas na sua formulação, causaram o adiamento da publicação da sua pesquisa. Somente em 1822 é que seu trabalho foi de fato publicado, ano que coincide com sua eleição para o cargo de secretário da seção de matemática da Académie des Sciences da França. Em 16 de maio de 1830, Fourier faleceu em decorrência de uma queda de escada em sua casa e seu túmulo está localizado no Cemitério Père Lachaise em Paris.
Como um dos legados, a análise de Fourier é uma das técnicas matemáticas com maior número de aplicações práticas; por exemplo, em cálculo numérico nas mais diversas áreas das ciências aplicadas e engenharias; além de constituir a base de processamento de sinais. Tem papel fundamental em telecomunicações modernas e processamento de imagens digitais. Através da análise de Fourier pode-se retirar a voz de músicas na elaboração de karaokês, e, também, fazer a compressão de imagens de formato JPEG (Joint Photographic Experts Group).
Bibliografia
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JEAN BAPTISTE JOSEPH FOURIER. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2023. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Jean_Baptiste_Joseph_Fourier&oldid=65886708>. Acesso em: 14 agosto de 2023.
